Augusto Pinochet
Ele foi o general sul-americano mais cruel no extermínio da oposição e mais eficiente no comando da economia. Mesmo após sua morte, saiba por que Pinochet continua a dividir o Chile e o mundo
Eduardo Szklarz | 10/12/2012 18h12
Uma estranha movimentação perturbou a rotina dos pacientes internados na
London Clinic, em Londres, às 23 horas de 16 de outubro de 1998. Naquele dia,
agentes da polícia inglesa Scotland Yard entraram em um dos quartos do edifício
para cumprir uma inusitada missão: encontrar um velhinho de 83 anos que se
recuperava de uma cirurgia na coluna para informar-lhe, ainda na cama: “O senhor
está preso”. Quando a imprensa divulgou que o paciente era o ex-ditador chileno
Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, milhares de pessoas se manifestaram. De um
lado, reações de alívio e alegria pelo pedido de prisão feito pelo juiz espanhol
Baltasar Garzón para levar a julgamento o homem responsável pela morte de
milhares de chilenos e estrangeiros que se opuseram ao seu regime. Do outro,
mensagens de indignação com a decisão do juiz e de solidariedade ao ex-ditador
enviadas por admiradores chilenos e antigos aliados – como a
ex-primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher, que contou com o apoio de
Pinochet no confronto armado com a Argentina pelas Malvinas, em 1982.
Mesmo após sua morte, em 10 de dezembro de 2006, o mundo inteiro deve relembrar o ano de 1973, quando teve início um regime de brutal repressão política e liberalização econômica que, a um só tempo, traumatizou o Chile e o preparou para se tornar o país mais competitivo da América Latina.
Assim começavam os 17 anos do regime Pinochet. Para entendê-los, é preciso voltar no tempo até a década de 60, quando a Guerra Fria transformou o Chile numa nação polarizada. Grupos como o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) proclamavam a luta armada para chegar ao poder, enquanto agrupamentos de direita como o Movimento Nacionalista Pátria e Liberdade pregavam o uso da violência contra os marxistas. A tensão aumentou com a eleição do socialista Allende, em 1970, e com a crise econômica e política acirrada pela oposição sistemática ao seu governo, que paralisou o país dois anos depois. Allende propôs realizar um plebiscito para solucionar a contenda sem recorrer às armas, mas não deu tempo: um grupo de oficiais já tramava sua derrubada.
No início, o golpe sofreu resistência nos quartéis. “Diferentemente de outros países da região, as Forças Armadas chilenas sempre foram constitucionais”, diz o cientista político chileno Arturo Valenzuela, que foi assessor do ex-presidente Bill Clinton e hoje dirige o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Aos poucos, porém, os generais golpistas afastaram os “brandos” e deixaram o ministro da Defesa, Carlos Prats, numa sinuca: se não renunciasse, poderia haver uma guerra civil. Para proteger a democracia, Prats renunciou e indicou para o cargo um general que sempre lhe fora leal: Augusto Pinochet. Allende aceitou.
O curioso é que, até então, era difícil saber de que lado Pinochet estava. Ele diz em seu livro El Día Decisivo (inédito em português) que liderou os planos para o golpe. Entretanto, vários relatos de militares mostram que Pinochet só aderiu à conspiração no fim, quando ela já havia sido deflagrada pela Marinha. “Pinochet nunca participou das reuniões que fizemos para planejar a ação”, disse o ex-general Nicanor Díaz à jornalista chilena Mónica González no livro La Conjura (sem tradução no Brasil). Mas, embora tenha chegado tarde, ele logo assumiria a liderança sobre os golpistas.
Com a morte de Allende, subiu ao poder uma junta militar formada por Pinochet (Exército), Gustavo Leigh (Força Aérea), Toribio Merino (Marinha) e César Mendoza (dos carabineiros, a força policial). O embaixador do Brasil em Santiago, Antônio Cândido da Câmara Canto, foi o primeiro diplomata a reconhecer o governo. A junta suspendeu a Constituição, dissolveu o Congresso, calou a Suprema Corte, eliminou partidos, declarou estado de sítio, censurou a imprensa e proibiu manifestações sociais. Como o Exército era a instituição militar mais antiga, Pinochet foi nomeado chefe da junta e se manteve no cargo, que era para ser rotativo, com o apoio de Merino e Mendoza (contrário a essa personalização do poder, Leigh seria excluído do grupo mais tarde). Pinochet concentrou o monopólio da administração, das leis e dos canhões, inaugurando o terror político no Chile.
Para o jornalista americano John Dinges, ex-correspondente no Chile e
professor da Universidade de Columbia, Estados Unidos, Pinochet formulou um
modelo inédito na região, cuja meta era eliminar fisicamente toda uma classe
política supostamente culpada pelos males do país. Na prática, isso significava
o extermínio de qualquer um que se opusesse aos quatro pilares de seu regime:
capitalismo, civilização cristã, escolha dos Estados Unidos como guia para
proteger o Ocidente e a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), que considerava os
cidadãos como possíveis ameaças. Em geral, as ditaduras do continente importaram
a doutrina dos Estados Unidos e a aplicaram de distintas maneiras, mas Pinochet
deu a ela uma versão extrema. “Seu projeto era a antipolítica: visava não apenas
os comunistas, mas tudo que fosse democrático”, diz Dinges. Jornalistas,
advogados, grupos de direitos civis, todos eram considerados “inimigos internos”
passíveis das sentenças dos recém-criados conselhos de guerra. Muitas vezes,
Pinochet intervinha pessoalmente para garantir a morte de seus opositores. Era a
face mais dura do golpe.
Em outubro de 1973, ele encarregou o coronel Arellano Stark da formação de um
esquadrão que percorreu o país fuzilando dezenas de pessoas – a chamada Caravana
da Morte. “O objetivo era matar os prisioneiros sem julgamento prévio e espalhar
medo entre os oficiais constitucionalistas”, diz o jornalista chileno Jorge
Escalante no livro La Misión Era Matar (inédito no Brasil). A Caravana semeou o
terror. “Mas seria difícil manter uma política de extermínio tão aberta, como se
fosse a guerra de um exército contra outro inexistente. Era preciso criar um
organismo que ligasse os serviços de inteligência e continuasse o trabalho por
outros meios”, diz o jornalista espanhol Ernesto Ekaiser, autor de Yo, Augusto
(também inédito no Brasil).
Para continuar a exterminar seus opositores de maneira menos escrachada, Pinochet criou a polícia secreta Dina (Direção de Inteligência Nacional). Da noite para o dia, quartéis, barcos, prefeituras, escolas e hospitais foram transformados em centros de detenção. O Informe da Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura fala da existência de 1132 lugares desse tipo. O Estádio Nacional, sede da Copa do Mundo de 1962, chegou a abrigar 7 mil presos que dormiam no chão sem cobertor nem higiene. A Comissão ouviu 35868 pessoas que viveram sob o fogo de Pinochet. Entre as que estiveram detidas, 94% disseram ter sofrido torturas, como choque, lesões, simulação de fuzilamento, nudez forçada, roleta russa, asfixia, temperaturas extremas e privação do sono. Das 3399 mulheres ouvidas, quase todas disseram ter sido objeto de violência sexual. Trezentas e dezesseis alegaram ter sido estupradas e 13 engravidaram dos agressores.
A Dina também eliminava parentes e amigos dos perseguidos. Foi o caso da jovem Jacqueline Droully, casada com o militante de esquerda Marcelo Salinas. Aos 24, grávida de três meses, ela foi presa e nunca mais apareceu. “Os agentes voltaram para levar Marcelo, depois de roubar a casa e quebrar tudo”, diz Nicole Droully, irmã de Jacqueline e integrante do grupo Memória Viva, que reúne um banco de dados sobre os crimes da ditadura. Segundo o Informe da Corporação Nacional de Recompensa e Reconciliação, o regime Pinochet produziu 2095 mortos e 1102 desaparecidos, mas há estimativas que indicam que o número de mortos pode ter ultrapassado os 5 mil. No total, mais de 40 mil pessoas foram exiladas. Muita gente protestou nas ruas de Santiago, mas foi recebida a bala e gás lacrimogêneo. Alguns padres levantaram a voz contra os abusos e a Organização das Nações Unidas aprovou condenações ao ditador, mas o Vaticano manteve silêncio.
A eliminação de dissidentes extrapolou a fronteira do país andino graças ao Plano Condor, aliança que Pinochet fez com Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Oficializado em 1975 e liderado pelo coronel chileno Manuel Contreras, chefe da Dina, ele envolvia troca de informação, seqüestro, tortura e assassinato de inimigos dentro e fora do continente. “O Condor foi desenhado para imitar, com métodos ilegais, a cooperação internacional das polícias que caracteriza a Interpol”, diz John Dinges, que rastreou a operação em documentos liberados nos Estados Unidos e na América do Sul. “Está provado que o Brasil treinou agentes chilenos. Contreras confirma que os mandou ao país para formar a Dina.”
O Condor desmantelou a JCR (Junta Coordenadora Revolucionária), organização que reunia o MIR no Chile, o Exército Revolucionário do Povo, na Argentina, e o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, no Uruguai. Com 5 mil integrantes e cerca de 22 milhões de dólares financiados por seqüestros, a JCR preparava uma ofensiva multinacional contra as ditaduras. O Condor também cravou as garras em opositores chilenos no exílio. Matou o ex-ministro do Exército chileno, Carlos Prats, em Buenos Aires, e o ex-chanceler Orlando Letelier em plena Washington. Devido a pressões americanas pela investigação desses crimes, a Dina foi dissolvida e deu lugar à CNI (Central Nacional de Informações). A essa altura, contudo, Pinochet já havia mudado a cara do Chile.
Os planos do governo eram traçados pelos “gremialistas”, jovens conservadores formados pela Universidade Católica do Chile (UC) e defensores da idéia de “democracia protegida”. Eles estavam por trás da Constituição de 1980, que deu mais poder ao presidente depois de aprovada com fraude por um plebiscito. Para pilotar a economia, Pinochet escalou os chamados Chicago Boys, estudantes com pós-graduação na Universidade de Chicago e seguidores do economista liberal Milton Friedman. “O projeto dessa nova direita combinava semi-autoritarismo político, economia liberal, sociedade hierarquizada e cultura conservadora”, diz o historiador chileno Cristián Gazmuri, da UC, no artigo El Lugar de Pinochet en la Historia. Segundo ele, era natural que esses grupos se alinhassem com os militares, pois se complementavam: os militares trariam autoridade e ordem; os tecnocratas, o projeto histórico. Em 1975, convencidos de que o caráter estatizante da economia chilena era a causa das crises, os Chicago Boys impuseram uma política de choque que privatizou indústrias e desregulamentou o mercado. As medidas produziram uma reviravolta na economia, tirando o Chile da crise econômica do governo Allende deflagrada em 1972. Enquanto as outras ditaduras de direita, como a brasileira, defendiam o controle estatal da economia, Pinochet implementou reformas econômicas liberais profundas que seriam adotadas por seus vizinhos mais de 20 anos depois. “O Estado chileno era menos comprometido com os industriais e os poderosos do que os vizinhos. Essa autonomia permitiu que os Chicago Boys fizessem as reformas”, diz Arturo Valenzuela.
Em 1988, o ditador aceitou colocar seu mandato à prova com a realização de um plebiscito. Ele achava que poderia ganhar de novo, como fizera para aprovar a Constituição oito anos antes. Mas agora era diferente. “A lembrança do caos de 1972 enfraquecera e a opinião pública sabia melhor das violações dos direitos humanos. Também havia uma pequena direita democrática e uma limitada imprensa de oposição”, diz Gazmuri. Ao contrário do plebiscito anterior, o de 1988 foi limpo. Resultado: o “não” (ao governo) triunfou com 54% dos votos, contra 43% do “sim”. Sinal verde para as eleições diretas do ano seguinte, quando o ditador transferiu o poder ao democrata-cristão Patrício Alwyn. “Pinochet errou ao pensar que podia depurar a sociedade da política”, diz Valenzuela. “No Brasil, os militares permitiram a fundação de partidos para conduzir a transição. No Chile, tentaram eliminá-los e não conseguiram. Por isso, os partidos voltaram e derrotaram Pinochet no plebiscito.”
Mas o general não jogou a toalha. Influente, foi comandante-em-chefe do Exército até 1998, quando assumiu como senador vitalício. Diante da pouca disposição do governo chileno em levá-lo a julgamento, tudo indicava que teria sombra e água fresca para o resto da vida. Era um bom momento para uma viagem à Inglaterra, palco de tantas visitas e chás com a ex-primeira-ministra Margareth Thatcher. E foi assim que, em 21 de setembro de 1998, o senador viajou a Londres sem convite oficial, aparentemente para tratar de uma hérnia de disco. Passeou por museus e mandou flores para Thatcher, mas a paz durou pouco: o médico lhe advertiu que ficaria inválido se não fosse operado com urgência. Entrou no bisturi dias depois na London Clinic, onde foi detido por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón, que pedia sua extradição à Espanha para que fosse julgado. Os defensores alegaram que ele tinha imunidade (o que foi negado pela Inglaterra) e depois que sofria de demência. Após 16 meses de batalha judicial, o chanceler britânico Jack Straw acatou o argumento médico e o enviou de volta ao Chile em março de 2000. Ao aterrissar em Santiago, Pinochet se levantou da cadeira de rodas e fez o V da vitória. Em 2004, depois de idas e vindas, a Suprema Corte chilena decidiu que ele tinha condições mentais de sentar no banco dos réus. Em dezembro, o juiz Juan Guzmán colocou-o em prisão domiciliar pelo desaparecimento de nove ativistas da oposição. Ao completar 90 anos, o ex-senador não mostrou culpa. “Deus me perdoará se me excedi em algumas coisas, o que não creio”, disse.
Ainda hoje, mesmo depois de sua morte em 2006, Pinochet é objeto de centenas de querelas no Chile e no exterior, por casos como violações de direitos humanos, tráfico de armas e evasão de divisas. Uma recente investigação do Senado americano mostrou que ele usou nomes falsos para manejar cerca de 8 milhões de dólares em contas secretas pelo mundo, muitas no banco americano Riggs. Envolvidos na falcatrua, a mulher e os filhos também têm pedidos de captura internacional. “O Chile finalmente pode julgar esse personagem que não somente é um genocida, mas também, como dizemos na Espanha, um vulgar chorizo – ou seja, um ladrão”, diz a advogada argentina Susana García, colaboradora de Baltasar Garzón.
Segundo a maioria dos pesquisadores, o grande incômodo causado pelo regime de Pinochet advém do fato de que, ao menos em comparação com as ditaduras de países como o Brasil e a Argentina, onde os militares saíram do poder desmoralizados, o regime chileno foi eficiente no cumprimento de sua meta: fazer do país uma vitrine da livre iniciativa na região. “Pinochet marca o momento em que a história da América Latina mudou. Todo o projeto da velha esquerda termina com a morte de Salvador Allende”, diz o jornalista John Dinges. Pinochet também alcançou popularidade inédita na região ao governar numa sociedade altamente dividida. “O golpe teve apoio de quase metade da população. Além disso, entre 20% e 30% das pessoas apoiavam a idéia de matar os allendistas”, afirma Dinges. “Hoje, entre 10% e 20% dos chilenos ainda consideram Pinochet um herói, apesar de tudo que já se sabe sobre ele.
Apesar dos protestos de católicos de toda a América Latina, o Vaticano
permaneceu em silêncio durante boa parte do tempo em que Pinochet assassinava
seus oponentes no Chile. Até porque a Igreja havia temido que Allende fizesse o
país enveredar pelo comunismo, fazendo do Chile uma nova Cuba. Apesar de tocar
no tema dos direitos humanos em sua visita ao país, em 1987, o papa João Paulo
II foi bastante criticado ao cumprimentar Pinochet, gesto que foi encarado pela
oposição como uma bênção ao ditador.
Mesmo após sua morte, em 10 de dezembro de 2006, o mundo inteiro deve relembrar o ano de 1973, quando teve início um regime de brutal repressão política e liberalização econômica que, a um só tempo, traumatizou o Chile e o preparou para se tornar o país mais competitivo da América Latina.
O golpe
No dia 11 de setembro, foram dadas ordens para que os aviões ligassem os
motores e atingissem o alvo: o Palácio de La Moneda, sede do governo chileno.
Naquele dia, em 1973, o edifício amanhecera rodeado por tanques liderados pelo
general Augusto Pinochet, que exigia a renúncia de Salvador Allende – o primeiro
presidente socialista eleito no Chile. Os golpistas ordenaram que o palácio
fosse evacuado até as 11h. Do contrário, seria atacado. A resposta de Allende,
transmitida pela rádio Magallanes, não podia ser mais contundente: “Não vou
renunciar. Pagarei com minha vida a lealdade do povo”. Com a aproximação da hora
estipulada pelos militares, algumas mulheres e assessores do presidente deixaram
o palácio. Outros decidiram ficar com Allende e entrar no tiroteio ao lado de
sua guarda pessoal. Às 11h50, dois aviões Hawker Hunter manobraram a 3 mil pés,
posicionaram-se em eixo de ataque e lançaram os primeiros foguetes. As forças de
Allende resistiram até as 13h45, quando unidades especiais finalmente tomaram o
local e impuseram a rendição. Às 14h, ouviu-se a última bala: Allende disparou
contra a cabeça usando o fuzil que ganhara do amigo Fidel Castro. Ao ver o
corpo, o general Palácios, líder das tropas, avisou o quartel-general da
Guarnição de Santiago: “Missão cumprida. Moneda tomada. Presidente morto”.Assim começavam os 17 anos do regime Pinochet. Para entendê-los, é preciso voltar no tempo até a década de 60, quando a Guerra Fria transformou o Chile numa nação polarizada. Grupos como o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionária) proclamavam a luta armada para chegar ao poder, enquanto agrupamentos de direita como o Movimento Nacionalista Pátria e Liberdade pregavam o uso da violência contra os marxistas. A tensão aumentou com a eleição do socialista Allende, em 1970, e com a crise econômica e política acirrada pela oposição sistemática ao seu governo, que paralisou o país dois anos depois. Allende propôs realizar um plebiscito para solucionar a contenda sem recorrer às armas, mas não deu tempo: um grupo de oficiais já tramava sua derrubada.
No início, o golpe sofreu resistência nos quartéis. “Diferentemente de outros países da região, as Forças Armadas chilenas sempre foram constitucionais”, diz o cientista político chileno Arturo Valenzuela, que foi assessor do ex-presidente Bill Clinton e hoje dirige o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Aos poucos, porém, os generais golpistas afastaram os “brandos” e deixaram o ministro da Defesa, Carlos Prats, numa sinuca: se não renunciasse, poderia haver uma guerra civil. Para proteger a democracia, Prats renunciou e indicou para o cargo um general que sempre lhe fora leal: Augusto Pinochet. Allende aceitou.
O curioso é que, até então, era difícil saber de que lado Pinochet estava. Ele diz em seu livro El Día Decisivo (inédito em português) que liderou os planos para o golpe. Entretanto, vários relatos de militares mostram que Pinochet só aderiu à conspiração no fim, quando ela já havia sido deflagrada pela Marinha. “Pinochet nunca participou das reuniões que fizemos para planejar a ação”, disse o ex-general Nicanor Díaz à jornalista chilena Mónica González no livro La Conjura (sem tradução no Brasil). Mas, embora tenha chegado tarde, ele logo assumiria a liderança sobre os golpistas.
Com a morte de Allende, subiu ao poder uma junta militar formada por Pinochet (Exército), Gustavo Leigh (Força Aérea), Toribio Merino (Marinha) e César Mendoza (dos carabineiros, a força policial). O embaixador do Brasil em Santiago, Antônio Cândido da Câmara Canto, foi o primeiro diplomata a reconhecer o governo. A junta suspendeu a Constituição, dissolveu o Congresso, calou a Suprema Corte, eliminou partidos, declarou estado de sítio, censurou a imprensa e proibiu manifestações sociais. Como o Exército era a instituição militar mais antiga, Pinochet foi nomeado chefe da junta e se manteve no cargo, que era para ser rotativo, com o apoio de Merino e Mendoza (contrário a essa personalização do poder, Leigh seria excluído do grupo mais tarde). Pinochet concentrou o monopólio da administração, das leis e dos canhões, inaugurando o terror político no Chile.
Repressão política
Para continuar a exterminar seus opositores de maneira menos escrachada, Pinochet criou a polícia secreta Dina (Direção de Inteligência Nacional). Da noite para o dia, quartéis, barcos, prefeituras, escolas e hospitais foram transformados em centros de detenção. O Informe da Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura fala da existência de 1132 lugares desse tipo. O Estádio Nacional, sede da Copa do Mundo de 1962, chegou a abrigar 7 mil presos que dormiam no chão sem cobertor nem higiene. A Comissão ouviu 35868 pessoas que viveram sob o fogo de Pinochet. Entre as que estiveram detidas, 94% disseram ter sofrido torturas, como choque, lesões, simulação de fuzilamento, nudez forçada, roleta russa, asfixia, temperaturas extremas e privação do sono. Das 3399 mulheres ouvidas, quase todas disseram ter sido objeto de violência sexual. Trezentas e dezesseis alegaram ter sido estupradas e 13 engravidaram dos agressores.
A Dina também eliminava parentes e amigos dos perseguidos. Foi o caso da jovem Jacqueline Droully, casada com o militante de esquerda Marcelo Salinas. Aos 24, grávida de três meses, ela foi presa e nunca mais apareceu. “Os agentes voltaram para levar Marcelo, depois de roubar a casa e quebrar tudo”, diz Nicole Droully, irmã de Jacqueline e integrante do grupo Memória Viva, que reúne um banco de dados sobre os crimes da ditadura. Segundo o Informe da Corporação Nacional de Recompensa e Reconciliação, o regime Pinochet produziu 2095 mortos e 1102 desaparecidos, mas há estimativas que indicam que o número de mortos pode ter ultrapassado os 5 mil. No total, mais de 40 mil pessoas foram exiladas. Muita gente protestou nas ruas de Santiago, mas foi recebida a bala e gás lacrimogêneo. Alguns padres levantaram a voz contra os abusos e a Organização das Nações Unidas aprovou condenações ao ditador, mas o Vaticano manteve silêncio.
A eliminação de dissidentes extrapolou a fronteira do país andino graças ao Plano Condor, aliança que Pinochet fez com Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Oficializado em 1975 e liderado pelo coronel chileno Manuel Contreras, chefe da Dina, ele envolvia troca de informação, seqüestro, tortura e assassinato de inimigos dentro e fora do continente. “O Condor foi desenhado para imitar, com métodos ilegais, a cooperação internacional das polícias que caracteriza a Interpol”, diz John Dinges, que rastreou a operação em documentos liberados nos Estados Unidos e na América do Sul. “Está provado que o Brasil treinou agentes chilenos. Contreras confirma que os mandou ao país para formar a Dina.”
O Condor desmantelou a JCR (Junta Coordenadora Revolucionária), organização que reunia o MIR no Chile, o Exército Revolucionário do Povo, na Argentina, e o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, no Uruguai. Com 5 mil integrantes e cerca de 22 milhões de dólares financiados por seqüestros, a JCR preparava uma ofensiva multinacional contra as ditaduras. O Condor também cravou as garras em opositores chilenos no exílio. Matou o ex-ministro do Exército chileno, Carlos Prats, em Buenos Aires, e o ex-chanceler Orlando Letelier em plena Washington. Devido a pressões americanas pela investigação desses crimes, a Dina foi dissolvida e deu lugar à CNI (Central Nacional de Informações). A essa altura, contudo, Pinochet já havia mudado a cara do Chile.
Liberdade econômica
Imagine como os militares brasileiros seriam vistos se entregassem o país com
as contas equilibradas e com a economia preparada para crescer sustentavelmente
nas décadas seguintes. Pois é, foi mais ou menos isso o que ocorreu no Chile
após o governo Pinochet. Apesar de o país não ter tido, inicialmente, o pujante
crescimento que nações como o Brasil tiveram na década de 1970, o Chile se
preparou para se tornar o único capaz de crescer cerca de 5% ao ano por mais de
20 anos – enquanto as décadas de 1980 e 1990 foram consideradas perdidas para o
Brasil. Não é à toa que, atualmente, o Chile é uma das economias mais
globalizadas e competitivas do planeta. E não há como negar que a estrada para o
crescimento foi pavimentada no governo Pinochet, ainda que da forma mais
violenta possível.Os planos do governo eram traçados pelos “gremialistas”, jovens conservadores formados pela Universidade Católica do Chile (UC) e defensores da idéia de “democracia protegida”. Eles estavam por trás da Constituição de 1980, que deu mais poder ao presidente depois de aprovada com fraude por um plebiscito. Para pilotar a economia, Pinochet escalou os chamados Chicago Boys, estudantes com pós-graduação na Universidade de Chicago e seguidores do economista liberal Milton Friedman. “O projeto dessa nova direita combinava semi-autoritarismo político, economia liberal, sociedade hierarquizada e cultura conservadora”, diz o historiador chileno Cristián Gazmuri, da UC, no artigo El Lugar de Pinochet en la Historia. Segundo ele, era natural que esses grupos se alinhassem com os militares, pois se complementavam: os militares trariam autoridade e ordem; os tecnocratas, o projeto histórico. Em 1975, convencidos de que o caráter estatizante da economia chilena era a causa das crises, os Chicago Boys impuseram uma política de choque que privatizou indústrias e desregulamentou o mercado. As medidas produziram uma reviravolta na economia, tirando o Chile da crise econômica do governo Allende deflagrada em 1972. Enquanto as outras ditaduras de direita, como a brasileira, defendiam o controle estatal da economia, Pinochet implementou reformas econômicas liberais profundas que seriam adotadas por seus vizinhos mais de 20 anos depois. “O Estado chileno era menos comprometido com os industriais e os poderosos do que os vizinhos. Essa autonomia permitiu que os Chicago Boys fizessem as reformas”, diz Arturo Valenzuela.
Fim do Regime
A estratégia que mesclava liberalização econômica e autoritarismo político
foi efetiva durante quase dez anos até que, em 1982, uma queda no desempenho
econômico serviu de estopim para uma onda gigantesca de protestos. No famoso
Maio de 83, estudantes e sindicatos organizaram greves e ergueram barricadas
para exigir democracia. Os carabineiros responderam com prisões em massa. No ano
seguinte, padres, intelectuais e grupos de direitos civis aumentaram a pressão
ao criar a Comissão Nacional contra a Tortura. O clima favoreceu a reorganização
parcial de grupos extremistas apoiados por cubanos e soviéticos. Em 1986, as
forças de segurança encontraram milhares de armas e explosivos no povoado de
Carrizal Bajo. Pouco depois, Pinochet sofreu um atentado de FPMR (Frente
Patriótica Manuel Rodríguez, braço armado do Partido Comunista chileno) ao
partir com sua comitiva da cidade de El Melocotón, a 50 quilômetros de Santiago.
Cinco seguranças morreram, 11 ficaram feridos, mas Pinochet só teve um corte na
mão.Em 1988, o ditador aceitou colocar seu mandato à prova com a realização de um plebiscito. Ele achava que poderia ganhar de novo, como fizera para aprovar a Constituição oito anos antes. Mas agora era diferente. “A lembrança do caos de 1972 enfraquecera e a opinião pública sabia melhor das violações dos direitos humanos. Também havia uma pequena direita democrática e uma limitada imprensa de oposição”, diz Gazmuri. Ao contrário do plebiscito anterior, o de 1988 foi limpo. Resultado: o “não” (ao governo) triunfou com 54% dos votos, contra 43% do “sim”. Sinal verde para as eleições diretas do ano seguinte, quando o ditador transferiu o poder ao democrata-cristão Patrício Alwyn. “Pinochet errou ao pensar que podia depurar a sociedade da política”, diz Valenzuela. “No Brasil, os militares permitiram a fundação de partidos para conduzir a transição. No Chile, tentaram eliminá-los e não conseguiram. Por isso, os partidos voltaram e derrotaram Pinochet no plebiscito.”
Mas o general não jogou a toalha. Influente, foi comandante-em-chefe do Exército até 1998, quando assumiu como senador vitalício. Diante da pouca disposição do governo chileno em levá-lo a julgamento, tudo indicava que teria sombra e água fresca para o resto da vida. Era um bom momento para uma viagem à Inglaterra, palco de tantas visitas e chás com a ex-primeira-ministra Margareth Thatcher. E foi assim que, em 21 de setembro de 1998, o senador viajou a Londres sem convite oficial, aparentemente para tratar de uma hérnia de disco. Passeou por museus e mandou flores para Thatcher, mas a paz durou pouco: o médico lhe advertiu que ficaria inválido se não fosse operado com urgência. Entrou no bisturi dias depois na London Clinic, onde foi detido por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón, que pedia sua extradição à Espanha para que fosse julgado. Os defensores alegaram que ele tinha imunidade (o que foi negado pela Inglaterra) e depois que sofria de demência. Após 16 meses de batalha judicial, o chanceler britânico Jack Straw acatou o argumento médico e o enviou de volta ao Chile em março de 2000. Ao aterrissar em Santiago, Pinochet se levantou da cadeira de rodas e fez o V da vitória. Em 2004, depois de idas e vindas, a Suprema Corte chilena decidiu que ele tinha condições mentais de sentar no banco dos réus. Em dezembro, o juiz Juan Guzmán colocou-o em prisão domiciliar pelo desaparecimento de nove ativistas da oposição. Ao completar 90 anos, o ex-senador não mostrou culpa. “Deus me perdoará se me excedi em algumas coisas, o que não creio”, disse.
Ainda hoje, mesmo depois de sua morte em 2006, Pinochet é objeto de centenas de querelas no Chile e no exterior, por casos como violações de direitos humanos, tráfico de armas e evasão de divisas. Uma recente investigação do Senado americano mostrou que ele usou nomes falsos para manejar cerca de 8 milhões de dólares em contas secretas pelo mundo, muitas no banco americano Riggs. Envolvidos na falcatrua, a mulher e os filhos também têm pedidos de captura internacional. “O Chile finalmente pode julgar esse personagem que não somente é um genocida, mas também, como dizemos na Espanha, um vulgar chorizo – ou seja, um ladrão”, diz a advogada argentina Susana García, colaboradora de Baltasar Garzón.
Segundo a maioria dos pesquisadores, o grande incômodo causado pelo regime de Pinochet advém do fato de que, ao menos em comparação com as ditaduras de países como o Brasil e a Argentina, onde os militares saíram do poder desmoralizados, o regime chileno foi eficiente no cumprimento de sua meta: fazer do país uma vitrine da livre iniciativa na região. “Pinochet marca o momento em que a história da América Latina mudou. Todo o projeto da velha esquerda termina com a morte de Salvador Allende”, diz o jornalista John Dinges. Pinochet também alcançou popularidade inédita na região ao governar numa sociedade altamente dividida. “O golpe teve apoio de quase metade da população. Além disso, entre 20% e 30% das pessoas apoiavam a idéia de matar os allendistas”, afirma Dinges. “Hoje, entre 10% e 20% dos chilenos ainda consideram Pinochet um herói, apesar de tudo que já se sabe sobre ele.
Os bons amigos de Pinochet
EUA, Brasil, Inglaterra e até o Vaticano nutriam boas relações com ele
No dia 8 de junho de 1976, o secretário de Estado americano Henry Kissinger viajou a Santiago para garantir a Pinochet que os Estados Unidos não interfeririam nos “assuntos domésticos” do Chile, apesar de ter informações das torturas e assassinatos do regime. “Nos Estados Unidos, como você sabe, temos simpatia pelo que o senhor está fazendo aqui”, disse Kissinger.”Desejamos o melhor para o seu governo.”
Emilio Garrastazu Medici
O Brasil era governado por Médici quando se tornou o primeiro país a
reconhecer a legitimidade da junta militar que derrubou Allende, em setembro de
1973. No ano seguinte, Pinochet retribuiu a gentileza viajando a Brasília para
assisitir à posse de Geisel. Quando Médici e Pinochet se cumprimentaram para a
foto ao lado, em 20 de março de 1974, os dois governos militares se preparavam
para criar a Operação Condor, no ano seguinte, com o objetivo de exterminar os
grupos de esquerda de seus países.
João Paulo II
Margareth Thatcher
Desde que o Chile
garantiu apoio à Inglaterra na Guerra contra a Argentina pelas Malvinas, em
1982, a então primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher tornou-se amiga
pessoal do ex-ditador. Ao saber que Pinochet havia sido preso em Londres, a
ex-ministra logo manifestou sua solidariedade ao ex-ditador. Durante uma visita
a Pinochet no dia 26 de março de 1999, a ex-primeira-ministra inglesa fez
questão de posar para os fotógrafos ao lado do ex-presidente do Chile, que se
encontrava em prisão domiciliar.
A participação americana no golpe
Documentos revelam como os Estados Unidos tramaram a derrubada de Allende
Em 4 de setembro de 1970, soou o alerta vermelho no gabinete de Henry Kissinger, conselheiro do presidente americano Richard Nixon para assuntos de segurança. O socialista Salvador Allende acabava de se eleger presidente do Chile. Se a moda pegasse, a ameaça marxista perigava se alastrar aos vizinhos pela via democrática. Os Estados Unidos vinham despejando dinheiro em Santiago para favorecer políticos de direita, mas não tiveram sucesso contra Allende. Portanto, era preciso instigar um golpe antes de 24 de outubro, quando o Congresso ratificaria a eleição. Em 15 de setembro, Kissinger e Nixon se reuniram com Richard Helms, diretor da CIA, para pôr em marcha o novo plano. Helms anotou as seguintes orientações de Nixon: “Dez milhões de dólares disponíveis, mais se necessário”, “Os melhores homens”, “Arrebentar a economia” e “Não meter a embaixada nisso”. As ordens foram reveladas em 1975 pela Comissão Church, do Senado americano, que investigou a ação encoberta dos Estados Unidos no Chile entre 1963 e 1973. Diante o fiasco do plano, Kissinger partiu para a última opção: derrocar o presidente. Nos três anos seguintes, os Estados Unidos gastaram 8 milhões de dólares para semear a discórdia no Chile, o que incluía propagandas e notícias falsas em jornais, dinheiro para opositores e apoio a grupos privados que incentivavam as greves. O plano fomentou o caos que antecedeu o golpe. Embora tivesse uma relação mais próxima com a Argentina, Kissinger garantiu todo o apoio a Pinochet. A CIA treinou a polícia secreta chilena em 1974. Documentos liberados pelos EUA em 1999 mostram que o secretário de Estado também orientou seu pessoal a não pressionar o ditador sobre a violação aos direitos humanos. Isso ficou claro quando ele foi a Santiago, em 1976, para uma reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos). Antes do discurso, Kissinger garantiu a Pinochet que não falaria nada do Chile. Dito e feito: carta branca para o ditador."Acordei no dia 11 de setembro com o ronco dos aviões"
O cientista político Eduardo Kugelmas fala sobre sua vida no Chile antes e durante o golpe
A eleição de Allende
“Cheguei ao exílio em Santiago em 1970, na véspera da eleição de Allende.
Naquele dia, encontrei centenas de milhares de pessoas na principal avenida da
capital chilena no comício do então candidato socialista Salvador Allende. O
resultado das eleições revelou claramente como o país estava dividido: a
esquerda, representada por Allende, teve 36,3%. A direita, representada pelo
candidato Jorge Alessandri, teve 34,8%. E o centro, representado pelo
democrata-cristão Rodomiro Tomic, teve 27,8% dos votos. Sem segundo turno, não
havia necessidade de Allende ter que compor com o centro, o que, ao meu ver,
terminou fazendo com que ele não conseguisse governar.”
Luta de classes
“O racha político era visível em todas as partes. Da eleição de reitores a
eleições para entidades de profissionais liberais.As manifestações contra o
governo eram diárias, assim como a disputa pelo poder. Costumo dizer que naquele
tempo, no Chile, vi pela primeira vez na vida diária o exemplo do conceito de
luta de classes.A radicalização entre os grupos políticos era muito forte. E o
principal sintoma da crise foi o esfacelamento da economia. A crise obrigava a
população a enfrentar longas jornadas para conseguir comprar produtos de
primeira necessidade. E quem não quisesse esperar teria que pagar bem mais para
comprar no mercado negro, o que aumentava a irritação da classe média. Poucos
dias antes do golpe, estava em um restaurante chinês, no centro de Santiago,
quando a cidade sofreu um blecaute que duraria horas. Naquele momento, eu e meus
amigos sentimos que algo grave iria acontecer, já que ninguém agüentava mais
viver em meio àquele cotidiano confuso.”
O 11 de setembro
“Como morava na região central, acordei no dia 11 de setembro com o ronco dos
caças que voavam em direção ao Palácio de La Moneda. Busquei informação no
rádio, que falava de uma rebelião da Marinha na cidade de Valparaíso. Fui ao
apartamento do meu vizinho, o cineasta chileno Raul Ruiz, para tentar buscar
mais informações sobre o que estava acontecendo. Queríamos ir à rua para saber o
que estava acontecendo, mas temíamos por nossa segurança. Os militares haviam
espalhado rumores de que boa parte dos estrangeiros era composta de agentes da
esquerda internacional e os brasileiros exilados temiam, com razão, que fossem
torturados e mortos.”
Exílio
“Dois dias depois, fui buscar
abrigo na embaixada da Venezuela, onde cerca de 100 estrangeiros acampavam
enquanto aguardavam a transferência para outros países. Na embaixada, consegui a
prorrogação de meu passaporte brasileiro e consegui embarcar, aliviado, para
Buenos Aires, onde alguns parentes me aguardavam. Quando voltei a Santiago, em
1997, encontrei uma cidade rica, moderna e bem diferente da do tempo em que lá
vivi.”
Saiba mais
Livros
Yo, Augusto, Ernesto Ekaiser, Aguilar, Buenos Aires,
2003
Um catatau de 1024 páginas sobre a ascensão e a queda de Pinochet.
La Conjura – Los 1001 Días del Golpe, Mónica González,
Ediciones B, Santiago, 2000
É talvez o livro definitivo sobre os bastidores da trama que derrubou
Salvador Allende.
Operación Siglo XX, Patrícia Verdugo e Carmen Hertz,
Ornitorrinco, Santiago, 1999
Passo-a-passo do atentado que quase tirou a vida do ditador.
The London Clinic, Luis Salinas, LOM Ediciones,
Santiago, 1999
Registro de frases emblemáticas ditas por Pinochet, seguidores, opositores e
imprensa.
Sites
http://foia.state.gov
Departamento de
Estado dos EUA, com documentos secretos que foram liberados pelas autoridades.
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